O Diretor do SIS, Adélio Neiva da Cruz, proferiu a intervenção inaugural na Conferência intitulada "Estará a Europa mais preparada perante a ameaça terrorista?". Promovida dia 11 de abril pela Universidade Autónoma de Lisboa a Conferência que contou com a presença de diversos oradores, entre os quais, o Diretor da Polícia Judiciária e o Professor Doutor Luís Tomé da UAL, ocorreu no quadro da apresentação do Curso de Especialização "Terrorismo Transnacional Contemporâneo" promovido pela UAL . Trata-se de mais um exemplo da colaboração entre o SIS e a Academia.

Estará a Europa mais  preparada perante a ameaça terrorista?

Como Diretor do Serviço de Informações de Segurança, de um Serviço que tem a responsabilidade de antecipar e prevenir a ameaça terrorista, apenas posso garantir que fazemos e faremos tudo ao nosso alcance para que a resposta seja “sim”.

É inegável que nas últimas duas décadas o terrorismo de matriz islamista se tem assumido como um dos principais desafios no contexto securitário mundial. Nesta medida, os atentados terroristas de 11SET01 são um marco da história recente da Humanidade. De facto, esta ação foi de tal modo relevante que, no presente, continua a ser utilizada para efeitos de propaganda por diferentes organizações terroristas, que procuram capitalizar a cobertura mediática em torno da referida efeméride.

Os atentados de 11SET01 foram o ataque terrorista mais mortífero da História, provocando a morte de quase 3000 pessoas (2977 + 19 atacantes) e ferimentos em quase 9000. Também marcaram a emergência do terrorismo moderno, cuja principal força motriz é a ideologia salafista-jihadista.

Nos últimos 20 anos é possível assinalar dois momentos de transição de paradigma no que concerne à ameaça terrorista de matriz islamista, fazendo prova da sua evolução contínua:

  • O primeiro foi liderado pela al Qaida. Neste período as estruturas terroristas eram muito hierarquizadas, empregavam modelos de ação terrorista sofisticados e complexos e utilizavam militantes isolados ou inseridos em pequenos grupos radicalizados com vínculos formais às organizações. Nestes casos falamos de indivíduos que marcaram presença em palcos de conflito jihadista, nomeadamente no Afeganistão e Norte de África, de forma a preparar a sua ação no Ocidente. É nesta altura que desponta o terrorismo homegrown.
  • O segundo momento foi encabeçado pelo Estado Islâmico e distinguiu-se por estruturas terroristas hierarquizadas, mas informais, e pelo emprego de modelos de ação terrorista pouco sofisticados. O objetivo era capacitar e empoderar os seus militantes e simpatizantes para a ação violenta, independentemente do treino militar ou da presença em regiões de conflito.

Para o efeito encontrava-se subjacente a disseminação massiva da narrativa do Do It Yourself. A tendência homegrown voltou a ressurgir, mas assumindo contornos distintos, pois os indivíduos eram desconhecidos.
No presente a ameaça encontra-se numa nova fase de redefinição. Os atuais palcos de jihad são pouco atrativos ou de difícil acesso e os principais agentes de ameaça atravessam uma fase de reestruturação.
No entanto, há outras transformações em curso, relacionadas com o papel que a tecnologia tem desempenhado na mobilização, coordenação e sofisticação das ações terroristas de matriz islamista. A diversificação de plataformas e canais de conversação encriptada, de aplicações nas redes sociais e plataformas de gaming é uma marca da nova geração de terroristas islamistas, uma geração sem ligação formal às organizações, que desenvolve toda a sua atividade segundo a lógica do Do it Yourself.
Tratar-se-á de um novo paradigma do terrorismo islamista?
Por outro lado, nos últimos anos, temos registado a emergência do terrorismo de extrema-direita, com vários atentados concretizados e disrompidos em diferentes países no mundo.
O trágico ataque de Anders Breivik na Noruega em 2011, que fez 77 vítimas mortais e dezenas de feridos, não foi um episódio isolado e, podemos afirmá-lo, continua, ainda hoje, a inspirar atos de terrorismo de extrema-direita.
Brenton Tarrant, o terrorista australiano que fez 49 vítimas mortais e mais de 20 feridos num ataque na Nova Zelândia, em 2019, é apenas um exemplo dos que também colheram inspiração em Breivik.

Mas existe, hoje, algum “fenómeno” de terrorismo de extrema-direita? E esse fenómeno é transnacional?
Infelizmente, a resposta é “sim”. Apesar da maioria dos atentados terroristas de extrema-direita serem da responsabilidade de pequenas células ou de indivíduos isolados sem aparente relação entre si, existe, hoje, uma comunidade de extrema-direita online ou, melhor, uma rede pouco estruturada de grupos online com militantes de extrema-direita de diferentes nacionalidades, que se dedica à difusão de propaganda de ódio, à glorificação dos terroristas de extrema-direita (como Breivik e Tarrant) e à partilha de conhecimentos, experiências e manuais, tendo em vista o recrutamento, a radicalização e o incentivo ao cometimento de ações violentas.
Esta nova extrema-direita de matriz terrorista – que emergiu da “alt-right” norte-americana e que se espalhou pelo mundo – é designada de aceleracionista, pois pretende precipitar (ou acelerar) a eclosão de uma guerra racial ou civilizacional, visto entender que já não existem outras alternativas para travar a “substituição da raça branca”.
Movendo-se e ocultando-se no ambiente online, inclusivamente em plataformas de gaming, a nova extrema-direita tem conseguido recrutar e radicalizar públicos muito jovens, beneficiando também da polarização política que se faz sentir em praticamente todas as sociedades democráticas de hoje.
Num preocupante sinal de desenraizamento social, existe, ainda, um número crescente de
casos de extremistas que ora se aproximam do terrorismo islamista ora do terrorismo aceleracionista de extrema-direita.
Por outro lado, assistimos, hoje, ao surgimento de uma ameaça de terrorismo com origem em movimentos antissistema, alguns dos quais com pontos de contacto com a extrema-direita, que se sustentam em teorias da conspiração para atacar as democracias e suas instituições, tanto no plano nacional como internacional. O caso do movimento Reichsbürger na Alemanha – mediatizado pela detenção de cerca de 25 extremistas em dezembro do ano passado – é paradigmático.
Poderíamos ainda falar do terrorismo de extrema-esquerda, nomeadamente do terrorismo associado ao anarquismo insurrecional, transnacional por natureza, e cujos militantes vêm discutindo a necessidade de intensificação da ação violenta.
Ou projetar cenários plausíveis, como o surgimento de verdadeiras vagas de terrorismo ambientalista ou anti-tecnologia, por exemplo.

“Estará a Europa mais preparada perante a ameaça terrorista?”
Sem querer condicionar a vossa discussão, diríamos…“sim” e “não”.
“Sim”, uma vez que há uma experiência acumulada por Serviços de Informações e Forças de Segurança relativamente à prevenção e ao combate ao terrorismo. “Sim”, porque há também uma consciência do caráter transnacional desta ameaça que resultou numa intensificação da cooperação internacional, nestes planos.
“Sim”, ainda, porque, tanto a nível nacional como europeu, foram desenvolvidas e implementadas medidas, inclusivamente no plano legislativo, para prevenir a radicalização para o extremismo violento e o terrorismo, que não descurou o envolvimento da sociedade civil e de entidades com responsabilidade por conteúdos online.
Poderíamos acrescentar muitos outros motivos para sustentar esta resposta. Mas, sem querer ser pessimista, há outros aspetos que nos levam a responder o contrário, a responder “não”.
Por exemplo, a exploração de novas tecnologias e ambientes é sempre mais célere por parte de extremistas e terroristas do que por parte das entidades que lhe devem dar resposta, mesmo que estas últimas tenham antecipado o potencial dessas tecnologias para o terrorismo.
Com efeito, as entidades que se dedicam à prevenção e combate ao terrorismo estão sempre dependentes de inputs legislativos, financeiros, tecnológicos e de recursos humanos, que têm os seus timings próprios.
Neste contexto, devemos estar já particularmente atentos à exploração do Metaverso e de ferramentas de Inteligência Artificial por agentes de ameaça terrorista, visto que oferecem possibilidades de atividade mais amplas e sofisticadas.
Por outro lado, devemos relembrar que o fenómeno dos lone actors radicalizados ou auto-radicalizados online continua a colocar desafios enormes, nomeadamente quando se diversificam as matrizes do terrorismo (islamista, de extrema-direita, anarquista, antissistema…) e se agravam as fragilidades nas democracias.

 

“Estará a Europa mais preparada perante a ameaça terrorista?”

Como Diretor do Serviço de Informações de Segurança, de um Serviço que tem a responsabilidade de antecipar e prevenir a ameaça terrorista, apenas posso garantir que fazemos e faremos tudo ao nosso alcance para que a resposta seja “sim”.
Contudo, em face da irrevogável mutabilidade e da insuperável vocação vanguardista da nova dimensão digital da condição humana, todos cumprimos o risco da veloz desatualização das nossas arquiteturas legais e operacionais.
É inquestionável que nos encontramos perante uma evidente migração de todas as ameaças convencionais à segurança e defesa dos Estados e dos seus cidadãos para o universo digital.
Aí, a criminalidade, o terrorismo, a subversão e a espionagem convivem e encetam um diálogo cooperativo com ameaças autóctones, promovendo a criação de novos universos de risco, agora adstritos a originais quadrantes de anonimato, de impacto e de disrupção, maioritariamente conduzidos mediante a original superação do histórico pressuposto da proximidade física à vítima.
No presente e no futuro muito próximo aguardam-nos cenários onde, por exemplo, índices de cibercriminalidade gravosa superarão os indicadores da criminalidade convencional ou que incluem a intenção de grupos terroristas ou subversivos para a condução de ações digitais com consequências e vítimas cinéticas.
Da mesma forma, quando o combate geopolítico global passou a incluir a interferência estatal em processos eleitorais externos por canais maioritariamente digitais encontramo-nos perante uma ameaça cibernética direta à legitimidade e à validade do Estado de Direito democrático.
É para promovermos a construção de novos arquétipos conceptuais para o novo universo da cibersegurança que temos o prazer de inaugurar este painel, no qual temos o prazer de contar com a generosa presença dos nossos ilustres oradores.